Batismo com Espírito Santo e Dons Espirituais: Da Reforma Protestante até hoje.

Batismo com Espírito Santo e Dons Espirituais: Da Reforma Protestante até hoje.

O Batismo com o Espírito Santo e os Dons Espirituais, que surgiram de maneira mais expressiva no meio dos cristãos primitivos no dia de Pentecostes, parecem ter sido o poder necessário para que a Igreja crescesse, conquistasse milhares de pessoas e se espalhasse por todo o mundo antigo. Esse operar sobrenatural de Deus realmente fez a diferença na vida daqueles que seguiam a Cristo ainda no século I.

A vida da Igreja Primitiva foi marcada por milagres, visões, revelações, curas e salvação. Quando estudamos a História do Cristianismo e lemos os relatos de conversão de judeus, gregos, romanos e de vários outros povos, nos maravilhamos com o que Deus fez através de sua Igreja. Havia uma convicção tão grande de salvação que a grande maioria dos cristãos estava disposta a morrer por Cristo. Isso era tão certo que milhares assim o fizeram.

Romanos convertidos se insurgiam contra o império, judeus transformados abandonavam suas tradições e eram perseguidos e mortos, povos bárbaros seguiam a Jesus abandonando todas as práticas pagãs que haviam herdado e cultivado durante séculos. É impossível olhar para esse período da História e não enxergar que algo muito impactante aconteceu durante essa época.

Após a morte de Jesus, este poder espiritual alcançou os Pais da Igreja, permaneceu latente e atuante de maneiras distintas no período medieval, e explodiu novamente após a Reforma Protestante. Conforme mencionamos no estudo anterior que pode ser lido aqui: Batismo com Espírito Santo e Dons Espirituais: Dos Apóstolos aos Reformadores.

Agora, este poderoso Batismo com Fogo e Espírito Santo e todos os seus Dons Espirituais ressurgem após os Reformadores e se espalham como “fogo em palha seca” por todo o mundo, fazendo com que a Igreja de Cristo possa experimentar o mesmo poder que os discípulos originais de Jesus experimentaram quando foram batizados no Cenáculo.

Neste estudo, vamos continuar rastreando o agir do Espírito Santo de Deus através da história. Continuaremos a mostrar os registros de grupos cristãos que receberam o poderoso Batismo com o Espírito Santo e os Dons Espirituais, partindo da Reforma Protestante até chegarmos aos dias de hoje.

 

O Batismo com o Espírito Santo e os Dons Espirituais ressurgem após a Reforma Protestante.

Reforma Protestante e os Dons Espirituais

Após a Reforma, os protestantes começaram a enfatizar a necessidade de uma experiência pessoal com Deus. A Reforma protestante trouxe a ideia de que cada crente poderia ter acesso direto a Deus, sem a mediação de sacerdotes ou da Igreja. Isso abriu caminho para uma redescoberta das experiências espirituais individuais, incluindo o batismo com o Espírito Santo e os Dons Espirituais.

Durante o primeiro Grande Despertamento (1730 a 1740 a.C), um movimento de renovação religiosa que varreu as colônias americanas e a Grã-Bretanha, liderado por figuras como Jonathan Edwards, George Whitefield e John Wesley, houve um forte foco na experiência de conversão e na regeneração pessoal. Jonathan Edwards descreveu muitas experiências de intensa convicção de pecado, seguidas por alegria e paz que os participantes atribuíram à obra do Espírito Santo. Edwards também menciona pessoas caindo ao chão sob a convicção do Espírito Santo, chorando em arrependimento e, em alguns casos, experimentando visões.

George Whitefield, pregador itinerante, também testemunhou manifestações espirituais em suas cruzadas. As reuniões frequentemente resultavam em pessoas clamando e se movendo sob a influência do Espírito Santo.

Muitas manifestações deste Grande Despertamento são bem semelhantes com cenários do pentecostalismo moderno. O ato de “Cair no poder”, por exemplo, não era incomum nesta época. Edwards descreve estes acontecimentos como desmaios, afirma que os cultos eram “cheios de brados, desmaios e coisas parecidas”. Ele menciona que algumas pessoas eram tão tocadas por Deus e “seus corpos tão dominados, que eles não conseguiam ir para casa, e eram obrigados a ficar a noite toda onde estavam” (Jonathan Edwards. “Revival of religion in Northampton in 1740-1742”. Jonathan Edwards on revival. Carlisle, PA: Banner of Truth, 1984, p. 150)

“Havia ocasiões em que as pessoas entravam numa espécie de transe, mantendo-se muitas vezes 24h sem movimento e com seus sentidos tolhidos; mas durante esse tempo eles se mantinham sob intensas imaginações, como se tivessem ido ao céu e lá tido visões de coisas gloriosas e encantadoras” ( Schaff. Ante-Nicene Christianity, vol. 5 of History of the Christian church, pp.503-04)

Um inimigo do avivamento protagonizado por Edwards mencionou certa vez um culto com linguagem extática parecendo indicar que havia, às vezes, manifestações de dons carismáticos e línguas estranhas:

“Esses encontros continuavam até 10, 11, 12 da noite; no meio deles, 10, 20, 30 e às vezes muitos mais iriam gritar ou bradar, ou exprimir gemidos de lamentação, enquanto outros exibiam grandes manifestações de alegria, batendo palmas, emitindo expressões extáticas, cantando salmos, convidando e exortando outros.” (Lovejoy. Religious enthusiasm and the great awakening, p. 77)

No avivamento metodista não era diferente: John Wesley, embora não seja conhecido por práticas carismáticas como falar em línguas, acreditava que os dons do Espírito, incluindo cura e outros sinais, poderiam continuar na vida da igreja. Ele escreveu sobre a importância da oração pela cura e relatou algumas experiências de cura em seus diários.

“Deus sempre concedeu algum tipo de cura em resposta às orações, especialmente nos primeiros tempos do cristianismo; e eu suponho que Ele ainda o faz, quando há fé viva e fervorosa para pedir isso.” (Citação do Diário de John Wesley)

“Fui obrigado a permanecer deitado durante a maior parte do dia, ficando confortável somente assim. Ao anoitecer, apesar da dor nas costas, na cabeça e da febre que teimava em não me deixar, assim que comecei a orar, fui tomado de uma tosse tal que mal me deixava falar. Ao mesmo tempo, minha mente foi dominada por uma frase: ‘Estes sinais seguirão aos que crerem’. Clamei então a Jesus para que ele aumentasse minha fé e para confirmar a palavra de sua graça. Enquanto eu falava, minha dor evanesceu, a febre me deixou, recuperei minha força física e por muitas semanas sequer senti fraqueza ou dor. A ti, Senhor, dou graças.” (Ibid., vol. 8, pp. 458-59)

Em outro momento ao defender-se por ter sido chamado de entusiasta e produzir curas por meio disso, Wesley se defendeu da seguinte forma:

“Como várias testemunhas atestam que essas curas eram frequentemente (na verdade quase sempre) consequências instantâneas da oração, sua inferência é fundada. Eu jamais poderia afirmar que elas sejam puramente naturais. Eu não creio que elas sejam. Creio que muitas delas foram operadas pelo poder sobrenatural de Deus.” (Wesley. The works of John Wesley, vol. 8, p.457)

O movimento Metodista nos tempos de Wesley era conhecido pelo fato de darem liberdade a manifestações pessoais dirigidas a Deus. Nos próprios escritos do pai do metodismo encontramos o seguinte trecho:

“Por volta de 3h da manhã, enquanto perseverávamos em constante oração, o poder de Deus veio com muita força sobre nós, de sorte que muitos gritaram de tanta alegria […]. Bradamos numa só voz: “Louvamos-te, ó Deus, reconhecemos que tu és o Senhor” (Ibid., vol. 2, pp.122-25)

Thomas Walsh (1734-1795), um conhecido pregador metodista irlandês e um importante evangelista do movimento metodista no século XVIII escreveu em um dos seus diários a seguinte nota no dia 8 de março de 1750:

“Esta manhã o Senhor deu-me um idioma desconhecido para mim, elevando minha alma a Ele de um modo maravilhoso.”

Philip Schaff, um teólogo protestante e historiador renomado da igreja cristã, nascido na Suíça em 1819, menciona em um de seus livros “A História da Igreja Cristã, edição de 1882” que muitos Metodistas possuíam dons espirituais e falavam em línguas estranhas e que esta seria uma das fontes de onde teria derivado o Movimento Pentecostal Moderno. (Op. Cit., p. 39).

O período do Primeiro Despertamento após a Reforma é cheio de manifestações espirituais surpreendentes. Muitos escritores e grupos pentecostais modernos colecionam testemunhos e narrativas de experiencias carismáticas idênticas ou bem parecidas com aquilo que vemos dentro de nossas igrejas hoje. Estes movimentos afirmam ter herdado esta herança de outros grupos bem mais antigos.

É fato que não temos como rastrear as raízes pentecostais tal como vemos hoje, até os tempos da Igreja Primitiva. Na verdade, todos estes assuntos sobrenaturais parecem estar envoltos em duvidas, intepretações teológicas diversas e disputas, desde os primeiros séculos.

O missionário sueco Samuel Nyström (1893-1977), que desempenhou um papel significativo na expansão do movimento pentecostal na América do Sul, especialmente no Brasil, escreveu o prefácio do livro “O Testemunho dos Séculos” do escritor Emílio Conde. Nele, ele afirma que não temos mais registros de dons espirituais ou manifestações carismáticas antes do século XIX devido aos historiadores cessacionistas terem omitido essas manifestações em suas obras. Para eles, tais acontecimentos eram considerados “excentricidades passageiras, coisas inconvenientes até para serem descritas”.

Mas ainda que não possamos rastrear tudo, sabemos que este período foi extremante importante e serviu como preparação para o nascimento do Pentecostalismo Moderno que viria logo a seguir. O primeiro Grande Despertamento teve muitas características de um avivamento carismático.

 

O Batismo com Espirito Santo e os Dons Espirituais durante o Segundo Grande Despertamento.

Batismo com Espírito Santo e Dons Espirituais e o Segundo Grande Despertamento

Se o Primeiro Despertamento com os Grandes Avivamentos promovidos por pregadores como Jonathan Edwards, George Whitefield e John Wesley já forneceram o alicerce necessário para o surgimento e a consolidação do Pentecostalismo Moderno, durante o Segundo Grande Despertamento (1790s-1840s) as coisas caminharam ainda mais rápido.

Este avivamento começou no final do século XVIII e se estendeu até meados do século XIX, particularmente nos Estados Unidos, com líderes como Charles Finney, Barton Stone, Dwight L. Moody e outros grandes pregadores que lideraram cruzadas evangelísticas, onde muitos experimentaram um renovado poder do Espírito Santo, frequentemente acompanhado por manifestações de dons espirituais como curas e profecias.

A experiência do “batismo com fogo” ou “segunda bênção” foi enfatizada por muitos pregadores do Segundo Grande Despertamento. Eles acreditavam que o Espírito Santo podia dar poder e pureza aos crentes além da conversão inicial.

Nesta época era comum termos os “Camp meetings,” ou reuniões de acampamento, onde as pessoas se reuniam ao ar livre para adorar e buscar uma experiência mais profunda com Deus, algo bem parecido com o período das grandes cruzadas do Pentecostalismo Moderno.

Charles Grandison Finney (1792-1875) é uma figura central na história dos avivamentos religiosos americanos. Conhecido como um dos maiores evangelistas do século XIX, Finney teve um impacto profundo no movimento de reavivamento nos Estados Unidos. Um aspecto vital de seu ministério e teologia foi sua experiência e ensino sobre o batismo com o Espírito Santo, embora ele não tenha feito referência a glossolalia que vemos nas igrejas pentecostais de hoje.

A conversão de Finney foi uma experiência profunda e transformadora. Ele descreveu sentir uma presença poderosa de Deus e uma convicção de pecado que o levou a buscar intensamente a Deus.

Em sua autobiografia, Finney relata como, após sua conversão, ele teve um encontro poderoso com o Espírito Santo que o capacitou para o ministério.

“Mas assim que o Senhor me revelou isso, o Espírito Santo desceu sobre mim de maneira que parecia passar por meu corpo e minha alma. Eu poderia sentir a impressão, como uma onda de eletricidade passando através e através de mim. Na verdade, parecia vir em ondas e ondas de amor líquido; pois não consegui encontrar outra expressão para descrever isso de qualquer outra maneira. Pareceu como as ondas do mar que passavam sobre mim; e sob essas influências eu chorei alto de alegria e amor; e eu não sei, mas ri alto. Parecia como se esse leito não pudesse me conter; mas eu saltava do leito e me contorcia com a onda de amor e de salvação no Espírito Santo.” (Charles G. Finney, Memoirs of Rev. Charles G. Finney, Chapter 2)

“Sem me dar conta do que fazia, levantei-me, abri a porta da sala de audiência e entrei. Ali encontrei o chefe da companhia, que me cumprimentou, dizendo: ‘Irmão Finney, o que está fazendo?’ Respondi: ‘Estou indo à loja para obter algo.’ Ele me disse: ‘Não vá hoje; estamos tendo uma reunião de oração aqui, e o Senhor está no meio de nós.’ Imediatamente comecei a sentir um estranho e irresistível poder que vinha sobre mim. Estremeci de tal maneira que não consegui ficar de pé. Fechei a porta e me atirei no chão de um modo que me enchi de um sentimento profundo de convicção de pecado. Mas, logo, a convicção de pecado foi sucedida por uma onda de amor tão intensa que parecia um batismo de amor. Não posso descrever o quanto fiquei completamente embriagado com essa experiência do amor de Deus.” (Charles G. Finney, Memórias de Charles G. Finney, Capítulo 2)

“Quando voltei a mim, recebi uma poderosa impressão de que uma onda de salvação estava prestes a inundar toda a cidade de Nova Iorque. Comecei a sentir-me tão dominado por esse batismo de poder que quase desmaiei. Parecia que a minha própria vida estava se esvaindo sob a pressão dessa manifestação do poder de Deus. Isso me levou a gritar a Deus para que Ele me segurasse, pois sentia que não poderia suportar mais essa presença do poder do Espírito Santo.” (Charles G. Finney, Memórias de Charles G. Finney, Capítulo 3)

Essas passagens demonstram a intensidade e a profundidade da experiência de Finney com o Espírito Santo, que ele acreditava ser crucial para seu ministério e os avivamentos que conduziu.

Manifestações semelhantes também aconteciam na vida e ministério do pregador Dwight L. Moody (1837-1899) um dos mais notáveis evangelistas do século XIX.

Moody também acreditava e ensina que o Batismo com Espírito Santo era algo posterior a regeneração e em um certo momento, quando duas mulhers da sua igreja em Chicado oravam para que ele fosse batizado, ele afirma ter recebido um poder que mudou drasticamente o seu ministério e a sua vida:

“Eu estava gritando o tempo todo para que Deus enchesse-me de seu Espírito. Bem, certo dia, na cidade de Nova York… Ó, que dia! Não posso descrevê-lo, eu raramente me refiro a ele; é como se fosse uma experiência muito sagrada para narrar. Paulo teve uma experiência da qual ele não falou por 14 anos. Só posso dizer que Deus se revelou para mim e que tive uma experiência tamanha do seu amor que precisei pedir-Lhe que abrandasse seu poder. Voltei então a pregar. Os sermões não estavam diferentes; não apresentei nenhumas verdades novas, e ainda assim centenas se converteram. Eu não retornaria à situação que eu estava antes daquela experiência por nada no mundo – seria como um grão de areia na balança.”( William R. Moody. The life of D. L. Moody. Nova York: Revell, 1900, p. 149)

Ainda que não existam fontes claras de que Moody tenha recebido ou praticado algum tipo de glossolalia ou dons carismáticos, como vemos nas igrejas pentecostais modernas, existem referencias claras disso em seu entorno e no testemunhos de cristãos ligados a ele.

William Moody, filho de Dwight L. Moody afirma que seu pai visitava os doentes em Chicago e orava sempre pela cura do corpo e da alma destas pessoas. Por isso, podemos concluir que ele acreditava que os Dons Espirituais não haviam cessado. (George B. Cutten. Speaking with tongues: historically and psychologically considered. New Haven, CT: Yale, 1927, p.41 e Schaff. Ante-Nicene Christianity, vol. 5 of History of the Christian Church, p.372. 8.)

Também temos o testemunho do Rev. R. Boyd, um pastor batista que frequentava reuniões de moços onde Moody costumava pregar. Em uma destas reuniões, durante uma pregação de Moody ele testemunhou os jobens falando em línguas estranhas e escreveu sobre o que viu:

“Quando fui aos quartos da Associação de Jovens Homens Cristãos (Young Men’s Christian Association – YMCA) em Victoria Hall, Londres, vi que o culto estava pegando fogo. Os jovens estavam falando em línguas e profetizando. O que será que aquilo significava? Apenas que Moody lhes falara naquela noite.”(Gordon Lindsay. “The speaking in tongues in Church History”, Voice of Healing, August, 1964, p. 3)

Ao analisarmos o cenário histórico do século XIX podemos certamente concluir que boa parte dos Dons Espirituais carismáticos que vemos hoje em nossas igrejas já estavam presentes naquela época.

Na Nova Inglaterra neste mesmo período temos registros entre os Gifts Adventists onde pessoas falaram em línguas durante cultos de louvor. (Frodsham. With signs following, p. 333) E em Cherokee County, na Carolina do Norte em 1896 foram registradas várias manifestações espirituais incluindo curas, línguas estranhas e profecias. (Burgess. Dictionary of Pentecostal and Charismatic Movements, p.198)

M Kiergan escreve que choro, desmaios e gritos eram comumente aceitos como manifestações habituais do Espirito Santo entre os crentes, mas o falar em línguas ou “glossolalia” sempre causava um impacto maior e dividia opiniões:

“Houve um dia em que, no meio de um sermão excepcional, uma mulher de Carrol County, uma professora Holiness, esparramou-se toda no chão do corredor. Em seguida ela começou a compor em uma linguagem rimando as palavras e cantando-as num tom estranho. Ela persistiu naquilo até que o culto fosse prejudicado e o acampamento inteiro caísse num alvoroço. Então estranhamente o acampamento ficou dividido. Alguns disseram que foi uma manifestação maravilhosa do poder de Deus, enquanto outros diziam que era uma repetição da fala em línguas desconhecidas do Pentecostes. Mas todos os pregadores dali disseram que aquilo era coisa do diabo. O campo estava tão dividido em sua opinião que o fato teve de ser tratado com extremo cuidado.” (A. M. Kiergan. Historical sketches of the revival of true holiness and local church polity from 1865- 1916. Fort Scott, KS: Board of Publication of the Church Advocate and Good Way, 1971, 31 apud Donald W. Dayton, “Christian perfection to the baptism in the Holy Ghost”, p. 52.)

 

O Batismo com Espirito Santo, os Dons Espirituais e a consolidação do Pentecostalismo.

Batismo com Espírito Santo no Segundo Despertamento

Durante o Segundo Grande Despertamento as manifestações espirituais não ficaram contidas somente na América, o século XIX foi um período de grandes avivamentos também na Europa e em várias outras regiões do mundo. O final desta época foi na verdade o despertar do Pentecostalismo.

Donald Dayton, intelectual wesleyano afirma que no seu tempo basicamente em qualquer movimento, grupo, coral, ou cultos ao ar livre, todos estes se denominavam e eram chamados de pentecostais. Várias pessoas contavam testemunhos pessoais que geralmente incluíam o derramar do Espirito Santo ou o recebimento de dons carismáticos. (Dayton. “Christian perfection to the baptism in the Holy Ghost”, p. 47)

Edward Irving, um pregador escocês, é conhecido por promover e experimentar os dons carismáticos em sua congregação em Londres. Os Irvinianos relataram profecias, curas e falar em línguas. Irving acreditava que os dons do Espírito Santo, como descritos no Novo Testamento, deveriam ser uma parte contínua da vida da igreja.

Relatos constantes sobre o Dom de Línguas (Glossolalia):

O.P Simons de Frost Proof na Flórida escreveu em um periódico “Uma chamada de Fé” no mês de novembro de 1909 sobre a suas experiencias nas décadas anteriores:

“Tenho sido membro de uma igreja durante sessenta e dois anos; tenho estado associado com o sul da Nova Inglaterra entre algumas congregações que falam em línguas durante quarenta anos. Em 1875, soube de alguns que durante três anos consecutivos, em suas adorações religiosas, também falavam o que se chama “línguas desconhecidas”. Desde 1824 até o tempo presente, desde o estado de Maine até Connecticut, “algumas igrejas” tem falado línguas e interpretado. O que mais falou em línguas desconhecidas foi o Sr. W. H. Doughty, que foi ministro durante quarenta anos. Ele era dirigente entre essas igrejas. Quem escreve estas coisas conhecia-o muito bem. Era um cristão muito humilde, de muito poder e oração. Muitas vezes era chamado para pôr as mãos sobre os enfermos; em muitos casos o resultado foi a cura de enfermidades crônicas.” (Emílio Conde, Pentecostes para todos pg.103)

Não somente línguas estáticas eram vistas entre os pentecostais dessa época, mas também línguas de nações sendo distribuídas entre eles.

Em 1885 em uma conferência internacional na Inglaterra, a viúva de Miguel Baxter, fundador do “Heraldo Cristão” de Londres e New York contou como recebeu o Dom de Línguas e pregou por mais de quarenta minutos em Alemão fluente, foi bem entendida pelos ouvintes, resultando na conversão de almas.

Ela mesma afirma que após pregar a mensagem não pode mais entender ou ser entendida por ninguém sem estar sob a influencia do Dom de Línguas:

“Depois disto Ele mesmo (o Senhor) me guiava para falar quase todos os dias, e com frequência duas vezes ao dia, a centenas e centenas de pessoas; entretanto, quando entrei em uma loja, não pude fazer-me entender, nem eu compreendia as pessoas que falavam comigo.” (Emílio Conde, Pentecostes para todos pg.104)

Algo semelhante também veio a ocorrer com Agnes Ozman (1870-1937), uma pregadora do Holiness que pediu para que orassem por ela para que recebesse o Dom do espirito Santo e ao ser batizada muitos afirmam que ela falou em língua chinesa:

“Humildemente, no nome de Jesus, eu impus minha mão sobre sua cabeça e orei. Mal eu havia repetido uma dúzia de frases quando a glória desceu sobre ela. Um halo parecia envolver seu rosto e sua cabeça, e ela começou a falar na língua chinesa, sem conseguir falar em inglês durante três dias.” (Parham. The life of Charles F. Parham, p.52)

Em resumo sobre esta época, o período entre 1800 e 1900 viu o surgimento e a renovação de interesse pelos dons espirituais, especialmente a glossolalia, em várias partes do mundo cristão. Embora nem todos os avivamentos ou movimentos religiosos desse período tenham promovido a glossolalia, muitos criaram um ambiente onde tais manifestações foram possíveis e, em alguns casos, amplamente adotadas. A culminação desse interesse foi o surgimento do movimento pentecostal no início do século XX, que consolidou a glossolalia como uma experiência central em muitas comunidades cristãs ao redor do mundo.

 

O nascimento do Pentecostalismo Clássico no século XX.

Batismo com Espírito Santo e Dons Espirituais e Pentecostalismo

A fase inicial do movimento pentecostal como o conhecemos hoje com todos os seus Dons Espirituais e a consolidação da doutrina do Batismo com Espírito Santo é chamada de Pentecostalismo Clássico, que surgiu no final do século XIX e início do século XX. Esse movimento se caracteriza pela ênfase que começou a ser dada ao Batismo com o Espírito Santo e os dons, especialmente o falar em línguas (glossolalia), como a evidência inicial desse batismo. O Pentecostalismo Clássico influenciou diversas denominações e tradições cristãs ao redor do mundo.

Ele se espalhou rapidamente da América do Norte para a América Latina, África, Ásia e Europa, adaptando-se a diferentes culturas e contextos, mas mantendo sua ênfase nos dons espirituais e no Batismo com o Espírito Santo.

No final do século XIX muitos grandes avivamentos carismáticos apareceram e ajudaram a dar origem ao Pentecostalismo, no entanto existem dois movimentos da virada do século que são tidos como o início do Pentecostalismo Clássico:

A Escola Bíblica Betel:  

Em 1900, Charles Parham um evangelista metodista fundou a Escola Bíblica Betel em Topeka, Kansas. Ele havia se afastado do metodismo tradicional e buscava explorar as promessas do Novo Testamento, especialmente sobre o Batismo com o Espírito Santo. A escola tinha como objetivo preparar os alunos para uma vida de santidade e ministério, enfatizando a necessidade de uma experiência pessoal com o Espírito Santo.

Em dezembro de 1900, Parham incentivou seus alunos a estudar o livro de Atos para descobrir evidências bíblicas do Batismo com o Espírito Santo. Depois de dias de estudo e oração, eles concluíram que a evidência inicial desse batismo era o falar em outras línguas, como registrado em Atos 2.

Em 1º de janeiro de 1901, Agnes Ozman, uma das alunas da Escola Bíblica Betel, pediu a Parham que orasse por ela para que recebesse o Batismo com o Espírito Santo. Quando Parham impôs as mãos sobre ela, Ozman começou a falar em línguas, sendo a primeira pessoa registrada no movimento pentecostal moderno a ter essa experiência.

Após a experiência de Agnes Ozman, Charles Parham começou a viajar e a pregar sobre o Batismo com o Espírito Santo, atraindo muitos seguidores. Ele estabeleceu outras escolas bíblicas e missões, sempre com o foco na busca por uma experiência direta e poderosa com o Espírito Santo.

Muitos dos alunos de Parham se tornaram líderes influentes no pentecostalismo, espalhando a mensagem por todo o mundo. A experiência de Agnes Ozman e outros alunos na Escola Betel estabeleceu um padrão de expectativa para os pentecostais, que associam o Batismo com o Espírito Santo ao dom de línguas.

Charles Parham foi diretamente responsável por influenciar William J. Seymour, o líder do Avivamento da Rua Azusa. Seymour estudou com Parham e levou os ensinamentos sobre o Batismo com o Espírito Santo para Los Angeles, onde o avivamento começou em 1906.

Nos materiais literários produzidos por estes lideres e pentecostais encontram-se vários testemunhos e registros das experiências que estes cristãos viveram:

“O Espírito Santo veio sobre Agnes Ozman e ela começou a falar em chinês, e foi incapaz de falar em inglês por três dias. Outras línguas foram concedidas à medida que os dias passaram, e a verdade de que o Batismo com o Espírito Santo era para todos, e que a evidência inicial era o falar em outras línguas, tornou-se evidente para todos nós.” (Charles Parham, em seu livro A Voice Crying in the Wilderness)

“O Espírito Santo está se movendo em nosso meio, e estamos vendo o início de algo que se espalhará como fogo. A Escola Bíblica Betel é apenas o começo. Deus está restaurando os dons aos Seus filhos.” (Charles Parham, em uma carta para seus seguidores)

“Foi como uma torrente de palavras desconhecidas saindo de mim. Eu não conseguia parar de falar, e todos os presentes souberam que algo poderoso havia acontecido.” (Agnes Ozman, em suas memórias)

A Escola Bíblica Betel estabeleceu a doutrina do Batismo com o Espírito Santo, acompanhado pela glossolalia, e mostrou que essa era uma experiência disponível para todos os crentes. Seu impacto é sentido até hoje, com milhões de pentecostais ao redor do mundo traçando suas raízes espirituais até os eventos que ocorreram nessa escola no início do século XX.

Avivamento da Rua Azusa:

Este avivamento também é considerado o marco inicial do movimento pentecostal moderno, tendo influenciado de forma significativa o cristianismo em todo o mundo. Ele começou em 1906, em Los Angeles, Califórnia, e foi liderado por William J. Seymour, um pregador afro-americano que tinha uma profunda crença na contemporaneidade dos dons espirituais, especialmente o Batismo com o Espírito Santo acompanhado pelo falar em línguas (glossolalia).

William J. Seymour, após ser influenciado pelas pregações de Charles Parham, que ensinava sobre o Batismo com o Espírito Santo, foi para Los Angeles em 1906. Ele começou a pregar sobre essa doutrina em uma pequena missão na Rua Bonnie Brae, mas foi expulso de várias igrejas tradicionais devido a seus ensinamentos.

“Antes que eu conhecesse o Parham, uma fome tão intensa por mais de Deus habitou em meu coração, que eu orei cinco horas diárias durante dois anos e meio. Fui a Los Angeles e lá a fome aumentou. Eu orei: “Deus, o que posso fazer?”. O Espírito disse: “Ore mais”. “Mas, Senhor, estou orando cinco horas por dia”. Aumentei minhas horas diárias de oração para sete durante mais um ano e meio. Orei para que Deus me desse o que Parham pregou: o verdadeiro Espírito Santo e o fogo com línguas, com o amor e o poder de Deus, como foi dado aos apóstolos.” (John G. Lake. Spiritual hunger/The God-Men. Dallas, TX: Christ for the Nations, 1980, p. 13)

Em abril de 1906, durante um culto na Rua Bonnie Brae, as primeiras manifestações do Espírito Santo começaram a ocorrer. Pessoas começaram a falar em línguas estranhas, uma evidência que Seymour e seus seguidores acreditavam ser o sinal do Batismo com o Espírito Santo, conforme registrado em Atos 2.

Com o crescimento do movimento, Seymour e seus seguidores se mudaram para um antigo prédio de uma igreja metodista na Rua Azusa, nº 312. Este local se tornou o epicentro do avivamento. O edifício era simples, sem cadeiras fixas ou púlpito, mas estava sempre lotado de pessoas em busca de uma experiência espiritual profunda.

A notícia das manifestações espirituais na Rua Azusa se espalhou rapidamente, atraindo milhares de pessoas de diferentes partes dos Estados Unidos e do mundo. Pessoas de todas as raças, idades e origens sociais participaram dos cultos, algo incomum em uma época de segregação racial nos Estados Unidos.

Os cultos na Rua Azuza não eram planejados, não tinham cantores, bandas ou pregadores famosos e mesmo assim os relatos destes cultos são de manifestações maravilhosas da presença de Deus:

“Alguém podia estar falando e subitamente o Espírito caía sobre a congregação. O próprio Deus realizava o apelo final. Homens caíam por toda a casa como mortos numa batalha ou corriam em massa para o altar para buscar a Deus. Alguns sujeitos presunçosos às vezes apareciam entre nós. Regularmente eram pregadores que queriam fazer fama por meio da autopromoção, mas suas tentativas duravam pouco. A mente deles iria se dissuadir e eles sentiriam náuseas. Tudo se escureceria perante eles. Eles não conseguiriam prosseguir. E nós somente orávamos; o Espírito Santo faria o restante.” (Bartleman. Azusa Street, pp. 59-60)

Ernest S. Williams que se tornou posteriormente superintendente das Assembleias de Deus no período de 1929 a 1949 teve sua vida transformada ao visitar os cultos na Missão da Rua Azuza. Sobre estes cultos ele descreve:

“Eu gostaria de conseguir descrever o que vi. Havia oração e louvor em todo lugar. A área do altar estava apinhada de pessoas buscando a Deus; alguns estavam ajoelhados; outros de bruços no chão; outros estavam falando em línguas. Todos estavam fazendo alguma coisa; tudo parecia estar absorvido em Deus. Eu somente fiquei ali olhando, pois jamais vira algo assim.” (Ernest S. Williams. “Memories of Azusa Street Mission”. Pentecostal Vertical File. Holy Spirit Research Center Oral Roberts University, p. 1)

Relatos da época descrevem diversas manifestações espirituais, incluindo:

Como registrado no Los Angeles Times em 18 de abril de1906, muitos participantes falavam em línguas desconhecidas. A citação dizia:

“Eles gritam o dia todo e toda a noite. Correm, pulam, sacodem as mãos e gritam para o topo da sua voz […] Eles afirmam estar cheios do Espírito Santo.”

Há registros de profecias, visões e curas milagrosas ocorrendo durante os cultos. A citação de Frank Bartleman, um evangelista que documentou o avivamento, dizia:

“Muitos caíam no chão, sob o poder de Deus. O Espírito Santo estava presente em sua plenitude, e parecia que uma nova era havia começado.” (Frank Bartleman, em seu livro Azusa Street: How Pentecost Came to Los Angeles)

Missionários de várias partes do mundo que visitaram a Rua Azusa levaram a mensagem pentecostal para seus países de origem. Este movimento deu origem a diversas denominações pentecostais e carismáticas ao redor do mundo. Países como Brasil, Coreia do Sul, Nigéria e muitos outros viram o surgimento de igrejas pentecostais influenciadas pelo avivamento da Rua Azusa.

O Batismo com Espírito Santo, os Dons Espirituais e o Pentecostalismo no Brasil.

Avivamento da Rua Azuza dons espirituais e Glossolalia

A história do Pentecostalismo no Brasil remonta a 1910, quando os missionários suecos Gunnar Vingren e Daniel Berg, influenciados pelo Avivamento da Rua Azusa nos Estados Unidos, chegaram a Belém do Pará. Eles trouxeram com eles a mensagem pentecostal, que enfatizava a necessidade do Batismo com o Espírito Santo como uma experiência subsequente à conversão, acompanhada pelo falar em línguas como evidência inicial.

Vingren e Berg fundaram a Assembleia de Deus em 1911, que rapidamente se tornou a maior denominação pentecostal do Brasil. Desde o início, essa igreja destacou-se por sua ênfase no Batismo com o Espírito Santo e na operação dos dons espirituais, que se tornaram características definidoras do movimento pentecostal no país.

Paralelamente, Luigi Francescon fundou a Congregação Cristã no Brasil, em São Paulo, também em 1910. Esta igreja, com raízes na imigração italiana, também abraçou a experiência pentecostal, destacando-se pela simplicidade no culto e pela ênfase nos dons espirituais.

Com o passar dos anos, o Pentecostalismo no Brasil se diversificou e deu origem a várias outras denominações que mantiveram a ênfase no Batismo com o Espírito Santo e nos dons espirituais.

A Igreja do Evangelho Quadrangular (1951), introduzida no Brasil em 1951 por Harold Williams, também adotou a teologia pentecostal, promovendo vigorosas campanhas de evangelização e curas, atraindo milhares de adeptos.

Em 1962 surge a Igreja Pentecostal Deus é Amor, fundada por David Miranda, a igreja é conhecida por sua forte ênfase na cura divina, na batalha espiritual e no uso dos dons espirituais como parte integrante da vida cristã.

A partir da década de 1970, surgiu no Brasil o movimento neopentecostal, que, embora mantendo algumas características do Pentecostalismo clássico, trouxe inovações teológicas e práticas.

O crescimento do Pentecostalismo no Brasil tem sido impressionante. Hoje, estima-se que mais de um terço da população brasileira se identifique como pentecostal ou neopentecostal, o que reflete o impacto profundo deste movimento no país.

Nas igrejas pentecostais e neopentecostais, o uso dos dons espirituais é amplamente incentivado. Milhões de brasileiros relatam experiências de Batismo com o Espírito Santo, acompanhadas por falar em línguas, profecias e curas. Esse fenômeno tem sido uma das principais razões para o crescimento rápido dessas igrejas.

Além de seu impacto espiritual, o Pentecostalismo no Brasil também influenciou a cultura e a política do país. A música gospel, programas de televisão, e a participação política de líderes religiosos pentecostais são apenas algumas das maneiras pelas quais esse movimento deixou sua marca na sociedade brasileira.

Conclusão:

O Batismo com Espírito Santo e os dons espirituais desempenharam um papel central no crescimento e na influência do Cristianismo em geral. Desde os primórdios, até os dias atuais, essas experiências espirituais têm sido a força motriz por trás da expansão da Igreja de Cristo, moldando a vida de milhões de pessoas ao redor do mundo. O Pentecostalismo por sua vez, continua a ser uma das expressões mais dinâmicas e vibrantes do cristianismo no Brasil, com um impacto que se estende além das igrejas, tocando todos os aspectos da vida no país.

O movimento Pentecostal não apenas impactou a vida religiosa de milhões, mas também influenciou o desenvolvimento de novas formas de adoração, música, eclesiologia e missão. Com mais de 600 milhões de seguidores em todo o mundo, o Pentecostalismo continua a ser uma força vital no cristianismo contemporâneo, adaptando-se e respondendo aos desafios do mundo moderno enquanto mantém seu foco na experiência pessoal e transformadora com o Espírito Santo.

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Monteiro Junior

Pastor e estudante das Escrituras, idealizador do Projeto "O Pesquisador Cristão." Estudou Teologia e Sistemas de Informação. Atualmente dedica-se a pesquisas relacionadas a História do Cristianismo, Novo e Antigo Testamento. Acredita e defende a "busca e compartilhamento do conhecimento nos tempos modernos..."

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Pastor e estudante das Escrituras, idealizador do Projeto "O Pesquisador Cristão." Estudou Teologia e Sistemas de Informação. Atualmente dedica-se a pesquisas relacionadas a História do Cristianismo, Novo e Antigo Testamento. Acredita e defende a "busca e compartilhamento do conhecimento nos tempos modernos..."