Quando abordamos assuntos relacionados à Bíblia, aos Evangelhos, a Jesus Cristo ou ao Cristianismo, é comum enfrentarmos críticas por parte de céticos, ateístas e opositores da fé cristã.
Essas críticas geralmente tem o objetivo de desacreditar qualquer evidência histórica ou arqueológica que corrobore as crenças dos cristãos.
Entre muitas destas críticas está a ideia oriunda da “Teoria do Miticismo Cristão,” que defende entre muitas outras coisas, que os Evangelhos não teriam sido escritos nos tempos de Jesus, mas que foram “produzidos” e compilados muitos séculos depois, portanto, não poderiam ser dignos de crédito.
Esse argumento é levantado com o propósito de desafiar a historicidade de Jesus Cristo e sugerir que ele é uma figura puramente mítica ou lendária, em oposição a uma figura histórica.
De acordo com essa teoria, Jesus não teria sido uma pessoa real que viveu na Palestina durante o período do primeiro século, mas sim uma figura criada por comunidades religiosas posteriores, possivelmente no século III ou até mais tarde.
No entanto, existem muitas evidências históricas, tradições e até artefatos e referências arqueológicas que nos mostram o contrário,
É fato que não temos os manuscritos originais dos Evangelhos ou de outros textos do Novo Testamento. Basicamente os manuscritos mais antigos que possuímos são datados do século II em diante.
Neste artigo vamos focar apenas em um destes manuscritos, o Papiro do Apóstolo João, ou Papiro P52 e também vamos explicar porque ele é tão importante e pode colaborar com a ideia de que os Evangelhos foram realmente escritos na época de Jesus Cristo.
Explore as emocionantes descobertas arqueológicas que confirmam as histórias bíblicas com “Escavando a Verdade”. Este livro trata de modo especial da arqueologia do Oriente Médio, que tem contribuído para o estudo da Bíblia e a confirmação de muitas histórias nelas reunidas. Escrito pelo Pastor Rodrigo Silva. |
Como se deu a descoberta do Papiro do Apóstolo João?
O Papiro do Apóstolo João, também conhecido como Papiro P52, é uma das descobertas mais significativas da arqueologia bíblica. Encontrado em 1920 no Egito, este pequeno fragmento de papiro contém partes do Evangelho de João, capítulo 18, versículos 31-33 e 37-38.
A datação do Papiro P52 é aproximadamente dos anos 117 a 138 d.C., o que o torna um dos mais antigos fragmentos do Novo Testamento, já encontrados até então.
O manuscrito embora seja apenas um fragmento é considerado o primeiro documento a se referir a pessoa de Jesus Cristo, fazendo inclusive menção ao seu julgamento.
A descoberta do Papiro P52 é atribuída aos renomados arqueólogos Bernard Pyne Grenfell e Arthur Surridge Hunt, que encontraram o fragmento em 1920 na região de Faium, no Egito.
A descoberta foi parte de uma grande coleção de manuscritos antigos conhecida como “Manuscritos de Oxirrinco,” que incluíam uma variedade de textos gregos e documentos administrativos.
Também foram encontrados documentos de origem não cristãos, como um tratado da constituição dos Atenienses atribuído a Aristóteles, fragmentos de obras importantes atribuídas a Platão, como a “Republica” por exemplo e outros documentos variados.
O Papiro P52 ou “Papiro de João” se encontra hoje na posse da Biblioteca John Rylands, em Manchester, Reino Unido, onde pode ser visto pelo público e estudado.
Jesus realmente existiu? Muito tem sido escrito ultimamente sobre esse assunto. Descubra as evidências antigas sobre Jesus fora do Novo Testamento com Robert Van Voorst. Este estudo fascinante analisa escritos romanos e judeus que mencionam Jesus, anteriores e posteriores ao Novo Testamento,, oferecendo uma visão crítica e completa sobre sua existência histórica. |
O que encontramos exatamente no Papiro do Apóstolo João e o que ele nos mostra?
No Papiro P52 encontramos o texto grego da passagem do Julgamento de Jesus. Temos o diálogo com Pilatos na parte da frente do fragmento de papiro, mais especificamente João 18:31-33, contendo o seguinte trecho em grego:
“ΟΙ ΙΟΥΔΑΙΟΙ ΗΜΙΝ ΟΥΚ ΕΞΕΣΤΙΝ ΑΠΟΚΤΕΙΝΑΙ
OYΔΕΝΑ ΙΝΑ Ο ΛΟΓΟΣ ΤΟΥ ΙΗΣΟΥ ΠΛΗΡΩΘΗ ΟΝ ΕΙ-
ΠΕΝ ΣHΜΑΙΝΩΝ ΠΟΙΩ ΘΑΝΑΤΩ ΗΜΕΛΛΕΝ ΑΠΟ-
ΘΝHΣΚΕΙΝ ΕΙΣΗΛΘΕΝ ΟΥΝ ΠΑΛΙΝ ΕΙΣ ΤΟ ΠΡΑΙΤΩ-
ΡΙΟΝ Ο ΠIΛΑΤΟΣ ΚΑΙ ΕΦΩΝΗΣΕΝ ΤΟΝ ΙΗΣΟΥΝ
ΚΑΙ ΕΙΠΕΝ ΑΥΤΩ ΣΥ ΕΙ O ΒΑΣΙΛΕΥΣ ΤΩΝ ΙΟΥ-
ΔAΙΩN”
Neste trecho os judeus afirmam: “A nós não é permitido matar ninguém,” para que se cumprisse a palavra de Jesus, indicando qual morte ele estava destinado a sofrer.
Após essa declaração, Pilatos retorna ao Pretório e chama Jesus. Ele pergunta a Jesus: “És tu o Rei dos judeus?”
Então no verso do papiro temos os textos de João 18:37-38, com o Testemunho de Jesus respondendo a Pilatos, aqui também transcritos no grego do papiro:
“ΒΑΣΙΛΕΥΣ ΕΙΜΙ ΕΓΩ ΕΙΣ TOΥΤΟ ΓΕΓΕΝΝΗΜΑΙ
ΚΑΙ (ΕΙΣ ΤΟΥΤΟ) ΕΛΗΛΥΘΑ ΕΙΣ ΤΟΝ ΚΟΣΜΟΝ ΙΝΑ ΜΑΡΤY-
ΡΗΣΩ ΤΗ ΑΛΗΘΕΙΑ ΠΑΣ Ο ΩΝ EΚ ΤΗΣ ΑΛΗΘΕI-
ΑΣ ΑΚΟΥΕΙ ΜΟΥ ΤΗΣ ΦΩΝΗΣ ΛΕΓΕΙ ΑΥΤΩ
Ο ΠΙΛΑΤΟΣ ΤΙ ΕΣΤΙΝ ΑΛΗΘΕΙΑ ΚAΙ ΤΟΥΤO
ΕΙΠΩΝ ΠΑΛΙΝ ΕΞΗΛΘΕΝ ΠΡΟΣ ΤΟΥΣ ΙΟΥ-
ΔΑΙΟΥΣ ΚΑΙ ΛΕΓΕΙ ΑΥΤΟΙΣ ΕΓΩ ΟΥΔEΜΙΑΝ
ΕΥΡΙΣΚΩ ΕΝ ΑΥΤΩ ΑΙΤΙΑΝ”
Neste trecho Jesus responde a Pilatos exatamente assim, com esta variação textual: “Um Rei sou eu. Para isso eu nasci e vim ao mundo para dar testemunho da verdade. Todo aquele que é da verdade ouve a minha voz.”
Intrigado, Pilatos questiona: “Que é a verdade?” Após essa pergunta, Pilatos volta a se dirigir aos judeus, declarando: “Eu não encontrei nenhuma falta nele.”
Como podemos perceber no conteúdo transcrito do Papiro P52, existe pouca variação textual entre o que está escrito nesse fragmento de papiro do começo do segundo século e o que temos em nossas bíblias nos dias de hoje, quase 2.000 anos depois.
O Papiro P52, fornece uma tremenda garantia aos bilhões de cristãos ao redor do mundo que lêem o Novo Testamento, de que suas traduções são baseadas em textos que refletem com precisão o que foi composto nos textos originais.
Você sabe por que Cristo escolheu um homem carregando um cântaro de água para levar os discípulos à Última Ceia?Explore os estilos de vida e hábitos bíblicos com o “Novo Manual dos Usos e Costumes dos Tempos Bíblicos”. Repleto de fotos, mapas e gráficos, este livro traz um entendimento mais profundo da cultura e dos tempos bíblicos. |
Por que o papiro do Apóstolo João pode comprovar que os Evangelhos são da época de Jesus?
Embora o Papiro P52 não seja o texto original escrito por João, sua datação próxima aos anos 117 a 138 d.C. o coloca apenas algumas décadas após a morte de João, discípulo direto de Jesus, que tradicionalmente ocorreu entre os anos 90 e 100 d.C. O Evangelho de João foi originalmente escrito entre os anos 70 e 90 d.C., o que significa que o Papiro P52 é uma cópia muito próxima ao texto original.
Ele é também o fragmento de uma cópia do Evangelho de João escrita a apenas 90-100 anos após a morte de Jesus Cristo e isso é uma data incrivelmente muito próxima dos acontecimentos narrados nos Evangelhos!
Se o Papiro P52 foi realmente escrito por volta dos anos 117 a 138 d.C, podemos ter em mãos um fragmento de uma cópia que foi escrita cerca de uns 27 a 68 anos depois do manuscrito original.
Para termos uma ideia do quanto isso é importante e como essa data é próxima de um texto original, considere que em algumas partes da literatura grega ou latina, o fragmento mais antigo conhecido data de 1.000 anos após os escritos originais.
A escrita da Odisséia de Homero, por exemplo, encontrada perto das ruínas do Templo de Zeus é datada de cerca de 1.000 anos depois da composição original de Homero.
Este fato nos oferece uma fascinante visão da transmissão dos ensinamentos cristãos ao longo do tempo, comprovando que o Evangelho de João já era um texto corrente apenas 90 anos após a morte de Jesus e que provavelmente outras copias anteriores a esta certamente existiam, conforme a tradição cristã confirma.
O fragmento do Papiro P52 lança luz sobre a possível prática da leitura pública dos textos do Novo Testamento nas primeiras comunidades cristãs e sua descoberta ainda reforça a importância da região do Egito, como um centro de atividade cristã nos primeiros séculos.
O texto do Papiro P52 também está alinhado com outras versões do Evangelho de João encontradas em manuscritos posteriores, como o Papiro P66 por exemplo, datado do ano 200 d.C, que contém quase todo o Evangelho de João, demonstrando o cuidado dos copistas para que não ocorressem muitas variações na escrita, embora variações textuais ainda sejam observadas.
Além de tudo isso, o simples fato de o papiro ser datado entre os anos 117 a 138 d.C, já invalida totalmente a narrativa de que os Evangelhos foram escritos após século III ou IV, como céticos insistem em afirmar.
É possível que o Papiro de João seja uma fraude produzida por cristãos com datação errada?
Atualmente o Novo Testamento é considerado a coletânea de textos mais bem preservada do mundo, contendo por volta de 5500 manuscritos até então descobertos, que vão desde cópias completas a fragmentos grandes e pequenos.
Uma considerável quantidade destes manuscritos e fragmentos foram datados do início do segundo século.
O Papiro P52 foi datado principalmente por meio de métodos de datação radiométrica, especificamente a datação por radiocarbono. Esse método envolve a análise do carbono presente no material orgânico do papiro para determinar sua idade aproximada.
Além disso, outros métodos de datação, como análise paleográfica (estudo da escrita e estilo do texto), foram usados para corroborar a datação radiocarbônica.
Esses métodos combinados ajudaram os especialistas a estabelecer uma estimativa da idade do Papiro P52, situando-o aproximadamente entre os anos 117 e 138 d.C. No entanto como essa datação não tem como ser exata, alguns estudiosos defendem que ele teria sido escrito entre o período de 100 a 125 d.C.. Outros argumentam que o estilo da escrita, leva a uma data entre os anos 125 e 160 d.C.
De qualquer maneira não existem dúvidas sobre a datação e autenticidade do papiro. Mesmo aqueles que acreditam em datas posteriores, ainda o situam por volta do final do segundo século.
Mesmo com este espaço de tempo é perfeitamente coerente concluirmos que o Papiro P52, ainda que sendo um pequeno fragmento, fez parte de um texto bem maior, muito provavelmente um códice ou no mínimo uma cópia inteira do Evangelho de João que circulou em várias regiões e comunidades cristãs do século II, chegando inclusive ao Egito onde foi encontrado, poucos anos após a morte de Jesus em Jerusalém.
Explore a rica história da igreja com a “História Ilustrada do Cristianismo – Volumes 1 e 2”. Esta obra respeitada e acessível, repleta de ilustrações e recursos didáticos. O volume 1, primeiro a ser lançado, abrange os cinco primeiros volumes da primeira edição – de “A era dos mártires” até “A era dos sonhos frustrados” e o volume 2 abrange os cinco últimos volumes da primeira edição – de “A era dos reformadores” até “A era inconclusa”. |
Fontes pesquisadas:
Schnelle, Udo (1998) The History and Theology of the New Testament Writings.(em inglês)
Tuckett, Christopher M. (2001) “P52 and Nomina Sacra.” New Testament Studies 47:544-48.(em inglês)
Hurtado, Larry W. (2003) “P52 (P.Rylands Gr 457) and the Nomina Sacra; Method and Probability.” Tynedale Bulletin 54.1. (em inglês)
“P52 (P.Rylands Gr 457) e os Nomina Sacra; Método e Probabilidade.” Tynedale Bulletin 54.1.
Nongbri, Brent (2005) “The Use and Abuse of P52: Papyrological Pitfalls in the Dating of the Fourth Gospel.” Harvard Theological Review 98:23-52. (em inglês)
“O Uso e Abuso de P52: Armadilhas Papirologicas na Datação do Quarto Evangelho.” Harvard Theological Review 98:23-52.
Roberts, C. H. (1936) “An Unpublished Fragment of the Fourth Gospel in the John Rylands Library.” Bulletin of the John Rylands Library 20:45-55. (em inglês)
“Um Fragmento Inédito do Quarto Evangelho na Biblioteca John Rylands.” Boletim da Biblioteca John Rylands 20:45-55.
Roberts, C. H. (1979) Manuscript, Society and Belief in Early Christian Egypt, OUP. (em inglês)
Manuscrito, Sociedade e Crença no Egito Cristão Primitivo, OUP.