Se o cristianismo está alicerçado sobre uma mentira e a figura de Jesus Cristo na verdade nunca existiu, como poderíamos explicar a existência de obras inteiras construídas unicamente para criticá-lo, ainda durante o segundo século?
Como principal exemplo dessas críticas registradas no decorrer da história, vamos tratar principalmente nesta pesquisa da obra “Contra os Cristãos,” escrita por volta de 178-180 d.C. pelo filósofo grego platônico eclético Celso, que viveu durante o século II.
A obra de Celso pode ser considerada como o primeiro texto anticristão de grande significância na história do cristianismo.
Embora críticos como Luciano de Samósata, Plínio o Jovem e outros inimigos da fé cristã tenham deixado registros que incluam zombarias, críticas e ataques claros aos cristãos e a Jesus Cristo, Celso, no entanto, foi capaz de elaborar uma vasta critica em tons sardônicos e humorísticos, zombando, atacando e ridicularizando a Jesus, seus discípulos, e os escritos cristãos dos quais ele parecia ter acesso ainda em seu tempo.
Acredita-se que Celso também estava incomodado com a expansão do cristianismo, principalmente com as consequências para seu tempo, vendo essa nova fé como uma ameaça.
É importante mencionamos que os escritos originais de Celso não subsistiram ao tempo e toda a informação que temos da sua crítica vem da refutação feita por Origenes em sua obra “Contra Celso,” escrita por volta do ano 248 d.C.
Você também pode ler todos os capítulos dessa série clicando nos links a seguir:
- Capítulo 01 – As provas concretas da existência de Jesus Cristo.
- Capítulo 02 – Jesus Cristo existiu? Entenda porque o Novo Testamento pode ser a prova concreta disso.
- Capítulo 03 – Existem evidências da existência de Jesus Cristo fora da Bíblia?
- Capítulo 04 – Jesus Cristo e os registros históricos que comprovam a sua existência.
- Capítulo 05 – Jesus Cristo, comprovado até por seus inimigos.
- Capítulo 06 – As provas da existência de Jesus Cristo e as polêmicas citações de Flávio Josefo.
- Capítulo 07 – Os escritos de Flávio Josefo podem comprovar a existência de Jesus Cristo?
- Capítulo 08 – Referências Históricas a Jesus Cristo e aos Cristãos nos Escritos de Suetônio.
Como a existência de Jesus pode ser confirmada pelas críticas de Celso?
Os escritos de Celso são muito abrangentes. É perceptível em seus textos que ele fez uma grande investigação sobre o cristianismo e sobre Jesus, e após isso empregou um estilo polêmico nos seus ataques.
Ele formula ataques que visam destruir e desmitificar a origem do cristianismo, as doutrinas, os conteúdos das suas crenças, culto, história, costumes e ataca até personagens e comunidades judaico-cristãs. (BORRET, 1976, p. 30)
Ao registrar essas críticas ainda no segundo século, ele também serve como prova de que a comunidade cristã já era forte e organizada, e estava se expandindo por várias regiões ainda naquela época, destruindo completamente o argumento cético de que o Cristianismo foi inventado séculos depois pelo Império Romano como ferramenta de manipulação das massas.
Celso faz um amplo ataque a pessoa de Jesus, denegrindo sua concepção, seu nascimento e os seus ancestrais.
Segundo Celso, Jesus era “pequeno e feio,” sua mãe era uma “costureira pobre” que foi expulsa de casa por seu marido que era carpinteiro, após se achar grávida devido um ato de adultério.
Celso afirma que após Maria dar à luz a Jesus, este foi trabalhar no Egito como serviçal, onde teria adquirido seus “poderes mágicos.” Ao retornar a sua terra, Jesus se autoproclamou um deus, atraindo para si 10 seguidores, aos quais também ensinou as suas práticas de feitiçaria, mendigagem e roubo.
“Jesus reuniu próximo a si mesmo dez ou onze pessoas de caráter notório, o mais doentio dos cobradores de impostos, marinheiros, e com eles fugiu de lugar em lugar, e obteve sua sobrevivência de um modo vergonhoso e inoportuno” (Origens, Contra Celsum, 1.62; IN: ROBERTS, Alexander, DONALDSON, James, Ante-Nicene Fathers, VOL 4, pp.423)
Ainda segundo ele, este grupo de seguidores, formado principalmente por marinheiros e coletores de impostos, inicialmente eram os únicos que criam na divindade de Jesus e estes poucos não conseguiram convencer mais ninguém.
No entanto após a crucificação de Jesus a notícia da sua ressurreição teria sido disseminada por uma mulher louca, atraindo assim grandes multidões, que eram convencidas com a ajuda da “magia de Jesus,” “pelo delírio coletivo,” ou pelo “pensamento místico” de seus seguidores.
Este pequeno resumo é fruto de diversas citações diretas de Celso a Jesus, preservadas na refutação a Celso feita por Origenes.
O que é mais interessante é que Celso não nega a existência de Jesus como uma pessoa.
Em seu ardente desejo de destruir a Cristo e aos Cristãos a quem ele claramente odiava, poderia simplesmente ter afirmado que Jesus era apenas um mito criado por seus seguidores, tal como muitos outros personagens sobrenaturais da sua época.
No entanto ele teve que tentar desconstruir a imagem de Jesus porque não seria possível negar a sua existência naquela época, já que qualquer um poderia desmenti-lo.
Por que a crítica de Celso confirma os textos bíblicos sobre Jesus?
Embora a crítica de Celso nos apresente um Jesus completamente distorcido, diferente do que é apresentado pelos registros bíblicos do Novo Testamento e pela Tradição Cristã Primitiva, podemos ainda encontrar vários pontos aos quais Celso não tentou negar, mas concordou:
Segundo Celso, Jesus não teve pai, mas nasceu de uma mãe repudiada por um carpinteiro, após esta cometer adultério. Existem fontes no Talmud Judaico que tentam afirmar exatamente a mesma coisa.
Isso nos mostra que Celso provavelmente tenha usado fontes não cristãs para explicar e atacar aquilo que ele odiava.
Todavia ainda que estas fontes tentem denegrir o nascimento de Jesus elas não negam o seu nascimento. Tampouco apresentam uma constituição familiar muito diferente da Bíblia.
Segundo Celso Jesus era “Pequeno e feio.” Segundo a Bíblia o Messias deveria ser “sem parecer ou formosura, ( Isaías 53)” e o Novo Testamento não descreve os atributos físicos de Jesus como belos.
Celso tenta explicar a influência e os milagres de Jesus como “poderes mágicos” que este adquiriu no Egito. Ele não negou que Cristo era uma pessoa sobrenatural, mas fez o mesmo que os fariseus e inimigos de Jesus fizeram, atribuíram as suas obras a demônios e a feitiçaria. (Mt 12.24)
Em sua crítica, Celso não nega que Jesus tenha feito discípulos ou que estes também tenham recebido de Jesus certos “poderes mágicos,” ele apenas mais uma vez distorce esse fato transformando os discípulos em ladrões e mendigos.
Ele também tenta explicar o impacto da ressurreição e a conversão de multidões ao culto cristão como fruto do operar de magias, loucura coletiva, ou influência do pensamento místico de seus seguidores.
Os escritos de Celso também confirmam detalhes sobre a morte de Jesus.
Os Evangelhos nos trazem vários detalhes sobre a morte de Cristo, de como os seus discípulos ficaram assustados, se dispersaram e como Pedro o negou por três vezes.
Na crítica de Celso, refutada por Origenes, nós temos alguns textos onde ele registra algo idêntico as Escrituras.
Nesse texto Celso se preocupou em escrever contra cristãos em sua época que estavam se submetendo ao martírio por causa de sua fé. Ele queria argumentar com isso que eles não deveriam fazê-lo quando os próprios discípulos originais haviam abandonado a Jesus quando este foi submetido a crucificação e sequer tiveram coragem de morrer com Ele:
“[Ele foi] abandonado e entregue por esses mesmos com quem tinha se associado, que o tinham como professor, e que acreditavam que ele era o salvador, o filho do Altíssimo Deus (…) Esses com quem se associou enquanto estava vivo, que ouviram sua voz, que apreciaram suas instruções como seu professor, ao o verem sujeito a punição e morte, nem mesmo morreram por ele (…) mas negaram que foram seus discípulos” (Origens, Contra Celsum, 1.62; IN: ROBERTS, Alexander, DONALDSON, James, Ante-Nicene Fathers, VOL 4, pp.423)
Em outra porção de texto ao tentar desacreditar a morte de Jesus ele mesmo afirma que Cristo teve uma morte miserável, embora não mencione neste momento a crucificação.
‘Se, depois de inventar defesa para o que é absurdo, e por isso deduz ridiculamente, ou melhor, imagina que realmente fez uma boa defesa, o que o inibe a respeito daqueles outros indivíduos que foram condenados, e morreram uma morte miserável, e foram maiores e mais divinos no seu papel de mensageiros dos céus que Jesus?” (Origens, Contra Celsum, 2.44; IN: ROBERTS, Alexander, DONALDSON, James, Ante-Nicene Fathers, VOL 4, pp.448)
No texto seguinte ele confirma que Jesus teria morrido em uma cruz, mas lança desconfiança sobre a aparência de Jesus após a ressurreição:
“Jesus se apresentou após sua morte apenas com a aparência das feridas recebidas na cruz, e na verdade ele não estava tão ferido como ele é descrito como tendo sido” (Origens, Contra Celsum, 2.44; IN: ROBERTS, Alexander, DONALDSON, James, Ante-Nicene Fathers, VOL 4, pp.448)
É possível que os registros de Celso sejam falsos?
Sempre que um documento ou menção histórica sobre Jesus Cristo ou o culto cristão nos primeiros séculos aparece, os céticos geralmente apelam para o argumento da falsificação, adulteração ou interpolação tardia, feita por copistas cristãos. No caso dos escritos de Celso não é diferente.
Os argumentos usados para afirmar que as criticas de Celso a Jesus e aos cristãos não são verdadeiras começam primeiramente na afirmação de que estes escritos foram inventados, já que os originais não existem mais e a única fonte existente é o próprio Origenes, um autor cristão que nos apresenta este conteúdo em uma refutação aos escritos originais.
Esse argumento, no entanto, é extremamente desonesto e absurdo.
Origenes não teria motivo algum para em 248 d.C. inventar uma crítica fictícia sobre Jesus e os cristãos, só para poder refutá-la em um outro livro, com o único intuito de deixar uma prova da existência de Cristo. Mesmo porque em sua época não haviam dúvidas sobre a existência de Jesus ou debate teológico sobre Jesus ser um mito ou não.
Outro ponto interessante a se avaliar é que os escritos de Celso falam de tudo, menos da invenção de um Jesus que nunca teria existido.
Se o objetivo de Origenes fosse realmente forjar uma prova da existência de Jesus Cristo como uma personalidade histórica, o tema central do assunto na sua obra “Contra Celso” deveria ser exatamente esse.
No entanto os escritos de Celso atacam uma diversidade abrangente de assuntos, menos o fato de Jesus ter existido ou não. Na realidade é implícito na obra de Celso que Jesus era alguém real que ele pretendia desmistificar.
Você também pode ler todos os capítulos dessa série clicando nos links a seguir:
- Capítulo 01 – As provas concretas da existência de Jesus Cristo.
- Capítulo 02 – Jesus Cristo existiu? Entenda porque o Novo Testamento pode ser a prova concreta disso.
- Capítulo 03 – Existem evidências da existência de Jesus Cristo fora da Bíblia?
- Capítulo 04 – Jesus Cristo e os registros históricos que comprovam a sua existência.
- Capítulo 05 – Jesus Cristo, comprovado até por seus inimigos.
- Capítulo 06 – As provas da existência de Jesus Cristo e as polêmicas citações de Flávio Josefo.
- Capítulo 07 – Os escritos de Flávio Josefo podem comprovar a existência de Jesus Cristo?
- Capítulo 08 – Referências Históricas a Jesus Cristo e aos Cristãos nos Escritos de Suetônio.
Fontes pesquisadas:
LABRIOLLE, 1935, p. 119
BORRET, 1976, p. 30
Origens, Contra Celsum, 1.28; IN: ROBERTS, Alexander, DONALDSON, James, Ante-Nicene Fathers, VOL 4, pp.408
Origens, Contra Celsum, 1.62; IN: ROBERTS, Alexander, DONALDSON, James, Ante-Nicene Fathers, VOL 4, pp.423
Origens, Contra Celsum, 1.62; IN: ROBERTS, Alexander, DONALDSON, James, Ante-Nicene Fathers, VOL 4, pp.423
Origens, Contra Celsum, 2.44; IN: ROBERTS, Alexander, DONALDSON, James, Ante-Nicene Fathers, VOL 4, pp.448
Celso (1991). Contra os Cristãos. [S.l.]: Editorial Estampa. 123 páginas